Papa Francisco: Dia Mundial das Comunicações Sociais

Imagem de Peggy und Marco Lachmann-Anke por Pixabay

(21 de maio de 2023)
«Falar com o coração. “Testemunhando a verdade no amor” (Ef 4, 15)»
Estimados irmãos e irmãs!

Depois de ter refletido, nos anos anteriores, sobre os verbos «ir e ver» e «escutar» como
condição necessária para uma boa comunicação, com esta Mensagem para o LVII Dia Mundial
das Comunicações Sociais gostaria de me deter sobre o «falar com o coração». Foi o coração
que nos moveu para ir, ver e escutar, e é o coração que nos move para uma comunicação aberta
e acolhedora. Após o nosso treino na escuta, que requer saber esperar e paciência, e o treino na
renúncia a impor em detrimento dos outros o nosso ponto de vista, podemos entrar na dinâmica
do diálogo e da partilha que é, em concreto, comunicar cordialmente. E, se escutarmos o outro
com coração puro, conseguiremos também falar testemunhando a verdade no amor (cf. Ef 4, 15).

Não devemos ter medo de proclamar a verdade, por vezes incómoda, mas de o fazer sem amor,
sem coração. Com efeito «o programa do cristão – como escreveu Bento XVI – é “um coração
que vê”» [1]. Trata-se de um coração que revela, com o seu palpitar, o nosso verdadeiro ser e,
por essa razão, deve ser ouvido. Isto leva o ouvinte a sintonizar-se no mesmo comprimento de
onda, chegando ao ponto de sentir no próprio coração também o pulsar do outro. Então pode ter
lugar o milagre do encontro, que nos faz olhar uns para os outros com compaixão, acolhendo as
fragilidades recíprocas com respeito, em vez de julgar a partir dos boatos semeando discórdia e
divisões.

Jesus chama-nos a atenção de que cada árvore se conhece pelo seu fruto (cf. Lc 6, 44). De igual
modo «o homem bom, do bom tesouro do seu coração, tira o que é bom; e o mau, do mau
tesouro, tira o que é mau; pois a boca fala da abundância do coração» (6, 45). Por conseguinte,
para se poder comunicar testemunhando a verdade no amor, é preciso purificar o próprio
coração. Só ouvindo e falando com o coração puro é que podemos ver para além das aparências,
superando o rumor confuso que, mesmo no campo da informação, não nos ajuda a fazer o
discernimento na complexidade do mundo em que vivemos. O apelo para se falar com o coração
interpela radicalmente este nosso tempo, tão propenso à indiferença e à indignação, baseada por
vezes até na desinformação que falsifica e instrumentaliza a verdade.
Comunicar cordialmente

Comunicar cordialmente quer dizer que a pessoa que nos lê ou escuta é levada a deduzir a nossa
participação nas alegrias e receios, nas esperanças e sofrimentos das mulheres e homens do
nosso tempo. Quem assim fala, ama o outro, pois preocupa-se com ele e salvaguarda a sua
liberdade, sem a violar. Podemos ver este estilo no misterioso Viandante que dialoga com os
discípulos a caminho de Emaús depois da tragédia que se consumou no Gólgota. A eles, Jesus
ressuscitado fala com o coração, acompanhando com respeito o caminho da sua amargura,
propondo-Se e não Se impondo, abrindo-lhes amorosamente a mente à compreensão do sentido
mais profundo do sucedido. De facto, eles podem exclamar com alegria que o coração lhes ardia
no peito enquanto Ele conversava pelo caminho e lhes explicava as Escrituras (cf. Lc 24, 32).

Num período da história marcado por polarizações e oposições – de que, infelizmente, nem a
comunidade eclesial está imune – o empenho em prol duma comunicação «de coração e braços
abertos» não diz respeito exclusivamente aos agentes da informação, mas é responsabilidade de
cada um. Todos somos chamados a procurar a verdade e a dizê-la, fazendo-o com amor. De
modo particular nós, cristãos, somos exortados a guardar continuamente a língua do mal (cf. Sl
34, 14), pois com ela – como ensina a Escritura – podemos bendizer o Senhor e amaldiçoar os
homens feitos à semelhança de Deus (cf. Tg 3, 9). Da nossa boca, não deveriam sair palavras
más, «mas apenas a que for boa, que edifique, sempre que necessário, para que seja uma graça
para aqueles que a escutam» (Ef 4, 29).

Por vezes, o falar amável abre uma brecha até nos corações mais endurecidos. Encontramos
vestígios disto na própria literatura; penso naquela página memorável do cap. XXI do livro
Promessi Sposi, onde Luzia fala com o coração ao Inominável até que este, desarmado e
atormentado por uma benéfica crise interior, cede à força gentil do amor. Experimentamo-lo na
convivência social, onde a gentileza não é questão apenas de «etiqueta», mas um verdadeiro
antídoto contra a crueldade, que pode, infelizmente, envenenar os corações e intoxicar as
relações. Precisamos daquele falar amável no âmbito dos mass media, para que a comunicação
não fomente uma aversão que exaspere, gere ódio e conduza ao confronto, mas ajude as
pessoas a refletir calmamente, a decifrar com espírito crítico e sempre respeitoso a realidade
onde vivem.

A comunicação de coração a coração: «Basta amar bem para dizer bem»

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Um dos exemplos mais luminosos e, ainda hoje, fascinantes deste «falar com o coração» temo-lo
em São Francisco de Sales, Doutor da Igreja, a quem dediquei recentemente a Carta Apostólica
Totum amoris est, nos 400 anos da sua morte. A par deste aniversário importante e relacionado
com a mesma circunstância, apraz-me recordar outro que se celebra neste ano de 2023: o
centenário da sua proclamação como padroeiro dos jornalistas católicos, feita por Pio XI com a
Encíclica Rerum omnium perturbationem. Mente brilhante, escritor fecundo, teólogo de grande
profundidade, Francisco de Sales foi bispo de Genebra no início do século XVII, em anos difíceis
marcados por animadas disputas com os calvinistas. A sua mansidão, humanidade e
predisposição a dialogar pacientemente com todos, e de modo especial com quem se lhe opunha,
fizeram dele uma extraordinária testemunha do amor misericordioso de Deus. Dele se pode dizer
que as suas «palavras amáveis multiplicam os amigos, a linguagem afável atrai muitas respostas
agradáveis» ( Sir 6, 5). Aliás uma das suas afirmações mais célebres – «o coração fala ao
coração» – inspirou gerações de fiéis, entre os quais se conta São John Henry Newman que a
escolheu para seu lema: Cor ad cor loquitur. «Basta amar bem para dizer bem»: constituía uma
das suas convicções. Isto prova como, para ele, a comunicação nunca deveria reduzir-se a um
artifício, a uma estratégia de marketing – diríamos nós hoje –, mas era o reflexo do íntimo, a
superfície visível dum núcleo de amor invisível aos olhos. Para São Francisco de Sales,
precisamente «no coração e através do coração é que se realiza aquele subtil e intenso processo
unitário em virtude do qual o homem reconhece a Deus» [2]. «Amando bem», São Francisco
conseguiu comunicar com o surdo-mudo Martinho tornando-se seu amigo, e daí ser recordado
também como protetor das pessoas com deficiências comunicativas.

É a partir deste «critério do amor» que o santo bispo de Genebra nos recorda, através dos seus
escritos e do próprio testemunho de vida, que «somos aquilo que comunicamos»: uma lição
contracorrente hoje, num tempo em que, como experimentamos particularmente nas redes
sociais, a comunicação é muitas vezes instrumentalizada para que o mundo nos veja, não por
aquilo que somos, mas como desejaríamos ser. São Francisco de Sales difundiu em grande
número cópias dos seus escritos na comunidade de Genebra. Esta intuição «jornalística» valeulhe uma fama que superou rapidamente o perímetro da sua diocese e perdura ainda nos nossos
dias. Como observou São Paulo VI, os seus escritos suscitam «uma leitura sumamente
agradável, instrutiva e estimulante» [3]. Pensando no atual panorama da comunicação, não são
estas precisamente as caraterísticas de que se deveriam revestir um artigo, uma reportagem, um
serviço radiotelevisivo ou uma mensagem nas redes sociais? Possam os agentes da
comunicação sentir-se inspirados por este Santo da ternura, procurando e narrando a verdade
com coragem e liberdade, mas rejeitando a tentação de usar expressões sensacionalistas e
agressivas.

Falar com o coração no processo sinodal

Como já tive oportunidade de salientar, «também na Igreja há grande necessidade de escutar e
de nos escutarmos. É o dom mais precioso e profícuo que podemos oferecer uns aos outros» [4].

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Duma escuta sem preconceitos, atenta e disponível, nasce um falar segundo o estilo de Deus,
que se sustenta de proximidade, compaixão e ternura. Na Igreja, temos urgente necessidade
duma comunicação que inflame os corações, seja bálsamo nas feridas e ilumine o caminho dos
irmãos e irmãs. Sonho uma comunicação eclesial que saiba deixar-se guiar pelo Espírito Santo,
gentil e ao mesmo tempo profética, capaz de encontrar novas formas e modalidades para o
anúncio maravilhoso que é chamada a proclamar no terceiro milénio. Uma comunicação que
coloque no centro a relação com Deus e com o próximo, especialmente o mais necessitado, e
esteja mais preocupada em acender o fogo da fé do que em preservar as cinzas duma identidade
autorreferencial. Uma comunicação, cujas bases sejam a humildade no escutar e o desassombro
no falar e que nunca separe a verdade do amor.

Desarmar os ânimos promovendo uma linguagem de paz

«A língua branda pode até quebrarossos»: lê-se no livro dos Provérbios (25, 15). Hoje é tão
necessário falar com o coração para promover uma cultura de paz, onde há guerra; para abrir
sendas que permitam o diálogo e a reconciliação, onde campeiam o ódio e a inimizade. No
dramático contexto de conflito global que estamos a viver, urge assegurar uma comunicação não
hostil. É necessário vencer «o hábito de denegrir rapidamente o adversário, aplicando-lhe
atributos humilhantes, em vez de se enfrentarem num diálogo aberto e respeitoso» [5].

Precisamos de comunicadores prontos a dialogar, ocupados na promoção dum desarmamento
integral e empenhados em desmantelar a psicose bélica que se aninha nos nossos corações,
como exortava profeticamente São João XXIII na Encíclica Pacem in terris: «a verdadeira paz
entre os povos não se baseia em tal equilíbrio [de armamentos], mas sim e exclusivamente na
confiança mútua» (n.º 113). Uma confiança que precisa de comunicadores não postos à defesa,
mas ousados e criativos, prontos a arriscar na procura dum terreno comum onde encontrar-se.
Também agora, como há 60 anos, a humanidade vive uma hora escura temendo uma escalada
bélica, que deve ser travada o mais depressa possível, inclusivamente em termos de
comunicação. Fica-se apavorado ao ouvir com quanta facilidade se pronunciam palavras que
invocam a destruição de povos e territórios; palavras que, infelizmente, se convertem muitas
vezes em ações bélicas de celerada violência. Por isso mesmo há que rejeitar toda a retórica
belicista, assim como toda a forma de propaganda que manipula a verdade, deturpando-a com
finalidades ideológicas. Em vez disso seja promovida, a todos os níveis, uma comunicação que
ajude a criar as condições para se resolverem as controvérsias entre os povos.

Como cristãos, sabemos que é precisamente na conversão do coração que se decide o destino
da paz, pois o vírus da guerra provém do íntimo do coração humano [6]. Do coração brotam as
palavras certas para dissipar as sombras dum mundo fechado e dividido e construir uma
civilização melhor do que aquela que recebemos. É um esforço que é exigido a todos e cada um
de nós, mas faz apelo de modo particular ao sentido de responsabilidade dos agentes da
comunicação a fim de realizarem a própria profissão como uma missão.
4
Que o Senhor Jesus, Palavra pura que brota do coração do Pai, nos ajude a tornar a nossa
comunicação livre, limpa e cordial.
Que o Senhor Jesus, Palavra que Se fez carne, nos ajude a colocar-nos à escuta do palpitar dos
corações, para nos reconhecermos como irmãos e irmãs e desativarmos a hostilidade que divide.
Que o Senhor Jesus, Palavra de verdade e caridade, nos ajude a dizer a verdade no amor, para
nos sentirmos guardiões uns dos outros.

Roma – São João de Latrão, na Memória de São Francisco de Sales, 24 de janeiro de 2023.

FRANCISCO
[1] Carta enc. Deus caritas est (25/XII/2005), 31.
[2] Carta ap. Totum amoris est (28/XII/2022).
[3] Epístola apostólica Sabaudiae gemma, no IV centenário do nascimento de São Francisco de
Sales, Doutor da Igreja (29/I/1967).
[4] Mensagem para o LVI Dia Mundial das Comunicações Sociais (24/I/2022).
[5] Francisco, Carta enc. Fratelli tutti (03/X/2020), 201.
[6] Cf. Francisco, Mensagem para o LVI Dia Mundial da Paz a 1 de janeiro de 2023 (08/XII/2022),
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Fonte: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/communications/documents/20230124-messaggio-comunicazioni-sociali.html