Ordem dos Frades Menores Conventuais

Sem categoria › 07/01/2022

MARIA NO MISTÉRIO DA ENCARNAÇÃO de FRANCISCO DE ASSIS

Por Daniel Silbernagel, OFS

Esta Palavra do Pai tão digna, tão santa e gloriosa, o altíssimo Pai a enviou do céu por meio de seu santo anjo Gabriel ao útero da santa e gloriosa Virgem Maria, de cujo útero recebeu carne da nossa humanidade e fragilidade.” (2Fi 4) 

Contemplar o mistério da encarnação e nele a participação de Maria é um belo e fundamental tema da espiritualidade franciscana. É amplamente conhecido o episódio do presépio de Greccio, “inventado” por Francisco de Assis. O seráfico pai cultivou especial veneração pela igrejinha da Porciúncula, dedicada à Santa Maria dos Anjos. Este lugar tornou-se um verdadeiro sinal dos lugares, repleto da presença e da graça divinas, com significado sagrado, para a obra que ali floresceu.Jamais quis considerar essa pequena porção como propriedade sua e dos frades.

Segundo São Boaventura, “morando Francisco, o servo de Deus, na igreja da Virgem Mãe de Deus e insistindo com contínuos gemidos junto àquela que concebeu o Verbo cheio de graça e de verdade para que ela se dignasse tornar-se advogada sua, ele próprio concebeu pelos méritos da Mãe de misericórdia e deu à luz o espírito da verdade evangélica.” (LM III,1). Francisco não separa Jesus Cristo da sua mãe, a Virgem Maria, Jesus Cristo pobre e sua Mãe pobre. “Ele, sendo rico acima de todas as coisas, quis neste mundo, com a beatíssima Virgem, sua Mãe, escolher a pobreza.” (2Fi 5).

           “Assim, Jesus Cristo é o Verbo, o Filho do Pai, o Senhor e Criador, o Unigênito do Pai, o Redentor, o Salvador divino; ao mesmo tempo, é também o verdadeiro homem de carne frágil, pobre, humilde, peregrino, hóspede, servo de Deus e da pessoa humana em sua vida, paixão e morte…” (IAMMARRONE, G. Cristologia,  2005, p. 164).Para o seráfico pai, Cristo é encarnado, próximo, ao nosso alcance, que pode ser escutado, tocado, “o irmão humilde, pacífico, doce, amável.” (2Fi 56). “A Francisco parece interessar mais a humanidade que a sua divindade. “O Cristo-carne, na sua humanidade é mais próximo a nós. É o nosso ‘Irmão Maior’ que abandona a sua glória, a sua divindade, para abraçar a nossa humanidade.” (G. GRIECO, 2011, p. 25).

 

Devoção de Francisco pelo Natal do Senhor

O biógrafo Tomás de Celano relata a especial devoção do seráfico pai para com o Natal do Senhor. “Celebrava com inefável alegria, mais do que as outras solenidades, o Natal do Menino Jesus, afirmando que é a festa das festas, em que Deus, tornando-se criança pequenina, dependeu de peitos humanos” (2Cel 199). Era para ele o dia em que o Menino nos foi dado, motivo de alegria e abundância. Da mesma forma desejava que houvesse uma lei que garantisse trigo e grãos pelas ruas em abundância para o bem dos pássaros. “Recordava, não sem lágrimas, de quanta penúria a Virgem pobrezinha fora circundada naquele dia.” (2 Cel 200)

A noite de Greccio, de fato, restituiu à  cristandade a intensidade e a beleza da festa do Natal, e educou o Povo de Deus a colher a mensagem mais autêntica, o particular calor, e a amar e adorar a humanidade de Cristo. Assim nos ensina o Papa Bento XVI: “A Páscoa exalta mais o poder de Deus que vence a morte e inaugura vida nova, apontando para  a esperança de um mundo futuro glorioso. Com São Francisco e o seu presépio foram colocados em evidência o amor inerme de Deus, a sua humildade e a sua benignidade, que na Encarnação do Verbo se manifesta aos homens para ensinar um novo modo de viver e amar” (BENTO XVI, Audiência geral 23/12/2009).

Segundo Celano,  “o menino Jesus tinha sido relegado ao esquecimento nos corações de muitos, mas neles ele ressuscitou, agindo a sua graça por meio de seu servo São Francisco, e ficou impresso na diligente memória deles” (1Cel 86).

O Papa Bento XVI destaca a fé e o amor de Francisco pela humanidade de Cristo que possibilitou a descoberta de que Deus se revela na ternura do Menino Jesus. “Graças a São Francisco, o povo cristão pode perceber que no Natal Deus verdadeiramente se tornou o Emanuel, o Deusconosco, do qual nenhuma barreira e distância nos separa. (…) Quem não compreendeu o mistério do Natal, não compreendeu o elemento decisivo da existência cristã. Quem não acolhe Jesus com coração de criança, não pode entrar no Reino dos céus: isto é o que Francisco quis recordar à cristandade do seu tempo e de todos os tempos, até hoje.” BENTO XVI. Audiência geral, 23/12/2009).

O papel de Maria no mistério da Encarnação

 No relato do primeiro biógrafo Tomás de Celano, Francisco expressava uma devoção de intenso afeto e amor para com a Virgem Maria. “Tinha um amor indizível à Mãe de Jesus, porque fez nosso Irmão o Senhor da majestade. Cantava-lhe Louvores especiais, derramava orações, oferecia afetos, tantos e tais que uma língua humana nem pode contar.” (2Cel 198).

Da mesma forma, São Boaventura faz questão de ressaltar a importância que o seráfico pai dava à igrejinha da Porciúncula onde se demorava em longas orações e meditações junto à Mãe de Deus: “quando morava na igreja da Virgem Mãe de Deus, seu servo Francisco insistia em contínuos gemidos junto daquela que concebeu o Verbo cheio de graça e de verdade, para que se dignasse tornar-se a sua advogada, e, pelos méritos da Mãe da misericórdia ele concebeu e deu à luz o espírito da verdade evangélica.” (LM III, 1). Já nos seus Escritos, Francisco fica restrito ao essencial da fé. Os dois textos mais longos sobre Maria são a Antífona do Ofício da Paixão do Senhor e a Saudação à Bem-aventurada Virgem Maria.  

A maternidade divina é o ponto fundamental do pensamento mariano de São Francisco. “Ele amou e venerou a Virgem antes de tudo e, sobretudo, porque nos deu Jesus, o Filho de Deus. Ele viu, na dignidade de Mãe de Deus, o coração do mistério de Maria, o fundamental e o central da sua grandeza” (ROBSON, 2020). “Rendemo-vos graças, porque, como por vosso Filho nos criastes, do mesmo modo, pelo santo amor com que nos amastes, o fizestes nascer como verdadeiro Deus e verdadeiro homem da gloriosa sempre Virgem, a beatíssima Santa Maria.” (RnB XXIII, 3) 

Em Maria Deus desceu, se abaixou, plantou a sua tenda entre nós. Maria é o tabernáculo, a arca da nova Aliança. Ela acolhe Cristo em nossa humanidade em nome de todos nós e anterior a todos nós. “Ela dá nossa a humanidade a Deus e dá Deus à nossa humanidade. Não lhe dá uma natureza fictícia ou aparente. Maria faz de Cristo uma pessoa humana, com traços, perfil, atitudes, gestos próprios de filho seu. Maria é, de fato, o modelo perfeito da Igreja e de todo o cristão, cuja missão consiste em ‘humanizar’ Deus e em ‘divinizar’ o homem e a mulher.” (HUBAUT, 1989).

       Por isso, Francisco contempla a maternidade de Maria como elemento central da sua fé em Deus Uno e Trino, criador e redentor. Tendo este tipo de pensamento, torna-se claro que para Francisco “a maternidade divina é motivo para dar graças a Deus, para ser-lhe grato por ter descido ao nível do homem e para louvar e honrar a Maria acima de toda outra criatura” (POMPEI, 2005, p. 262).

Na saudação à Virgem Maria, Francisco relaciona Maria à obra da salvação realizada pela Trindade. Não contempla Maria de forma isolada, mas sempre relacionada com as três pessoas divinas. Ela é a filha eleita do Pai Criador, cheia de graça, consagrada por Ele com seu santíssimo Filho amado. Ela é Mãe, Virgem feita Igreja, Filha, Serva, Esposa, Senhora, Rainha. Palácio, Tabernáculo, Casa, Vestimenta de Deus. Nela está toda a plenitude e todo o bem. Ela teve a graça inaudita de acolher em seu seio o Deus santo, Aquele que é todo o Bem, Aquele a quem os céus não podem conter.

        Maria acolhe o Natal de Deus em seu útero materno. “Esta Palavra do Pai tão digna, tão santa e gloriosa, o altíssimo Pai a enviou do céu por meio de seu santo anjo Gabriel ao útero da santa e gloriosa Virgem Maria, de cujo útero recebeu carne da nossa humanidade e fragilidade.” (2Fi 4) 

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