Ordem dos Frades Menores Conventuais

Artigos, Destaques › 02/11/2020

“Eu sei que meu redentor está vivo”(Jó 19,25)

Hoje vamos refletir sobre um tema muito caro a São Francisco: a Morte. Existe uma experiência vital que irrompe sua história, suas escolhas, e assim, seu modo de vida. São Francisco no início de sua caminhada e processo de conversão tem um encontro profundo com o Crucificado de São Damião que lhe fala e lhe pede que reconstruas a sua Igreja que estava em ruínas. Na Cruz de São Damião o Santo de Assis contempla a Encarnação de Jesus, sua Paixão, Morte, Ressurreição e Ascensão. Na cruz, São Francisco experimenta a ação de um Deus não apenas solidário com a humanidade e que aponta a co-responsabilidade na criação do mundo, mas vislumbra um Jesus Crucificado![2] Vislumbra um Jesus cuja caminhada está marcada por uma árdua tarefa de oferecer a todos os homens e mulheres a salvação. Na cruz está estampada uma experiência pascal que todo ser humano deve percorrer: “Se alguém quiser seguir-me, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mc 8,34). Na cruz contempla a serenidade de Deus que, mesmo passando pelo mais cruel sofrimento, apresenta-se de braços abertos para perdoar, acolher e salvar a todos. É este convite de Jesus que São Francisco acolhe, reflete e concretiza em sua caminhada de fé. Não é o sofrimento pelo sofrimento, mas a possibilidade de vencer a si mesmo e ir ao encontro do amor. E viver um processo de conversão contínuo e profundo de todo o seu ser para abrir-se à Deus e aos irmãos. É a espiritualidade pascal de Cristo cujo centro é o Pai do céu e sua santíssima vontade: que todos sejam salvos. O Carisma franciscano nasce do mistério Pascal do Cristo Crucificado e Glorioso. São Francisco tem diante do Crucifixo de São Damião estas duas imagens de Jesus: ao mesmo tempo Crucificado e Glorioso. Desde então identificou-se com a Cruz de Cristo, de modo que, toda sua vida foi conformar-se com o Cristo pobre e Crucificado. O mistério de amor não para na cruz, mas a ultrapassa e introduz toda a Criação na Vida Nova do Ressuscitado. O amor do Crucificado permeia toda a existência de Francisco de tal modo que sua oração e missão são orientadas para a meditação profunda do amor que transborda da Cruz. Amor que orientou não somente algumas escolhas, aqui e ali, mas que o toma por inteiro. Desde então Francisco carrega em si a vivência de passar do homem fechado em si mesmo e em suas necessidades para abrir-se ao novo homem aberto ao amor de Deus e àquilo que Deus ama. Podemos chamar de ascese. Ascese é o exercício de renunciar a própria vontade e carregar a Cruz para mais amar. Esta é a identidade humana: amar. Não é o sofrimento que marca a vida do cristão, mas sim o amor que, mesmo em meio a dor pode triunfar. É voltado para a vida em plenitude que São Francisco orientou toda sua missão como uma passagem pelo deserto, uma experiência de êxodo, de peregrinação. O modo de vida adotado por Francisco remete antes de tudo para sua orientação profunda e radical toda voltada para o futuro de Deus. Sabe Francisco que neste mundo a nada deve se apegar. Mas caminhar livre. Nesta vida somos apenas peregrinos, caminhantes rumo à terra prometida, ao nascer de um novo mundo e de uma nova história já iniciada neste mundo. Tomás de Celano, um biógrafo de São Francisco, nos dá o seguinte testemunho: “Posto neste vale de lágrimas, o bem-aventurado pai desprezou as míseras riquezas dos filhos dos homens e, ambicionando a mais alta glória, dedicou-se com todo o seu coração à pobreza. Vendo que era familiar para o Filho de Deus e estava sendo desprezada por todo o mundo e, quis desposá-la com um amor eterno. Por isso, feito amante de sua beleza e querendo unir-se mais estreitamente a sua esposa, como se fossem dois em um só espírito, abandonou não só pai e mãe mas também revirou tudo. Abraçou-a por isso em ternos abraços e não quis deixar de ser seu esposo nem por uma hora. Dizia a seus filhos que ela era o caminho da perfeição, o penhor e a garantia das riquezas eternas. Jamais houve alguém tão ambicioso de ouro quanto ele de pobreza, e nunca houve guarda mais cuidadoso de um tesouro do que ele o foi da pérola evangélica. O que mais o ofendia era ver, dentro ou fora de casa, alguma coisa nos frades que fosse contrária à pobreza. Na verdade, desde o começo da religião até à morte, sua única riqueza foram uma túnica, o cordão e as calças; não teve mais nada. Sua roupa pobre mostrava que riquezas estava amontoando. Por isso, alegre, seguro e livre para correr, tinha o prazer de ter trocado as riquezas que perecem pelo cêntuplo.” (2 Cel 55). Francisco tem a vida como um caminhar para Deus. Por isso o seguimento de Jesus tornou-se tão importante como itinerário para o Pai que não se reduz somente ao Jesus em sua vida terrestre, mais também, ao Jesus no seu percurso Pascal para a glória. Francisco aspira a Glória, aspira ao Céu. Recorda-nos o santo que devemos viver neste mundo com os pés no chão mais com o coração voltado para o céu. Aspirar estar na glória de Deus é o melhor projeto de vida que podemos ter. Não devemos esquecer que não caminhamos para um reino falido ou vencido, mas caminhamos para a Luz. Esta apreensão dinâmica da vida de Jesus conduziu Francisco uma compreensão nova de toda a criação. Em Cristo toda a criação carrega consigo um mistério no qual é possível vislumbrar a face de Deus. Por isso, a morte não é o fim da vida e um mal que toca a realidade humana. Mas o ápice da vida. Francisco transforma em liturgia, em celebração o acontecer da morte como nos testemunha Tomás de Celano: “Na verdade esperava intrepidamente o triunfo e já apertava em suas mãos a coroa da justiça.  Assim, posto no chão, sem a sua roupa de saco, voltou o rosto para o céu como costumava e, todo concentrado naquela glória, cobriu a chaga do lado direito com a mão esquerda, para que não a vissem.  E disse aos frades: “Eu fiz a minha parte; que Cristo vos ensine a cumprir a vossa!” …  Depois disso, o santo levantou as mãos para o céu e louvou a Cristo porque, livre de tudo, já estava indo ao seu encontro.”[3]  Livre de tudo, São “Francisco celebra a morte como a última etapa do seu seguimento de Cristo” Por isso, podia dizer com alegria: “’Bem-vinda seja a minha irmã morte!’ Ao médico disse: ‘Irmão médico, diga com coragem que minha morte está próxima, para mim ela é a porta da vida!’… E assim chegou a hora. Tendo completado em si mesmo todos os mistérios de Cristo, voou feliz para Deus.” Amados irmãos e irmãs não tenhamos medo da morte, mas como São Francisco vejamos a morte como uma última etapa do seguimento de Jesus aqui na terra. Como São Francisco, pensemos que nossa passagem pelo mundo é um itinerário pascal que deve ser vivido por todos nós como filhos escolhidos de Deus, no seu amor, por seu amor e para o seu amor. Desde quando Francisco começou a submeter todo o seu ser ao grande Ser toda barreira que existia entre ele e Deus foi destruída. Agora toda sua existência está permeada pela luz da eternidade que irradia de seu coração pobre e humildade. São Francisco encontrou em toda a criação motivos para louvar ao Senhor e toda a criação encontra em São Francisco um lugar para ecoar seu canto de louvor ao criador. Francisco é um homem transfigurado, aberto e fraterno.[4] Por isso, alegres queremos com São Francisco dizer: “Louvado sejas, meu Senhor, por nossa Irmã a Morte corporal, da qual nenhum homem vivo pode escapar. Ai dos que morrerem em pecados mortais! Felizes os que ela achar conformes à vossa santíssima vontade, porque a morte segunda não lhes fará mal!” [5]

Frei Willian Gomes Mendonça, OFMConv.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

Dicionário Franciscano. Edizioni Messaggero Padova. Tradução Família Franciscana do Brasil. 1983.

HUBAULT, Michel. Caminhos de interioridade com São Francisco de Assis. Editorial Franciscana. Braga. 2012.

LECLERC. Eloi. O cântico das criaturas. O símbolos da união. Editora Vozes/FFB. 1977. Petróplis,RJ.

Revista Franciscana. Volume I- 2006 – nº 11. Lepra, morte e mudança de vida em Francisco de Assis. Família Franciscana do Brasil.


[1] Jó 19,25.

[2] HUBAULT, Michel. Caminhos de interioridade com São Francisco de Assis. Editorial Franciscana. Pag. 181.

[3] 2 Cel 214 e 216.

[4] LECLERC. Eloi. O cântico das criaturas. O símbolos da união. Editora Vozes. FFB. Pag. 195-196.

[5] Cântico das Criaturas.

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