Ordem dos Frades Menores Conventuais

Artigos, Destaques, Formação › 04/11/2021

Estudos na Ordem e a Sabedoria de Francisco de Assis

Por Gabriel Daum Martins, aspirante.

Desde a origem da Ordem, Francisco de Assis e seus primeiros irmãos enfrentaram o dilema do estudo na proposta de vida menor. Na sua busca de viver conforme o Santo Evangelho, os frades concordam na pobreza evangélica como fundamento central do carisma. É possível conciliá-la com o estudo, a ciência e a cultura? Apresento aqui uma série de reflexões escritas por Cherubino Bigi que esclarece um pouco mais da problemática para São Francisco e São Boaventura nos diversos textos das Fontes Franciscanas.

            Na primeira parte o autor trabalha esta questão na visão e vida de Francisco. Ao tratar de “sabedoria”, São Francisco, que a chama de rainha das virtudes (cf.SdVt  1), a define como o próprio Cristo, “verdadeira sabedoria do Pai” (1CtFi 17). Não é uma doutrina nem está reservada aos doutores, como o próprio Jesus disse que foi revelada aos pequenos (Mt 11,25). Bigi a afirma como relação da pessoa com Jesus. Na Regra, Francisco deixou escrito: “os que não têm estudo (saber letras) não os procurem adquirir, mas cuidem que, antes de tudo, devem desejar o espírito do Senhor e seu santo modo de operar” (RB 10,8-9). Mas, vamos entender melhor essa parte da Regra.

            A santa doutrina da Igreja também compreende dessa forma, quando diz que o conhecimento intelectual não é a única forma de sabedoria espiritual. “A verdade da palavra, expressão racional do conhecimento da realidade criada e incriada, é necessária ao homem dotado de inteligência, mas a verdade também pode encontrar outras formas de expressão humana, complementares” (CIC 2500). O Catecismo dá exemplos de outros meios, como “as profundezas do coração humano, as elevações da alma, o mistério de Deus’’ (CIC 2500) e explica que antes de se revelar como palavra de verdade, Deus se manifestou na linguagem da criação, obra da sua sabedoria (cf. CIC 2500). Por isso, Francisco exorta os frades a buscar “antes de tudo” a sabedoria de Deus nas outras formas, em especial na sua forma de operar, proposta de seguimento.

            Bigi esclarece a divisão da compreensão entre sabedoria da carne e sabedoria do espírito. A primeira corresponde à sabedoria do corpo criado à imagem do próprio Deus e deve transparecer a sabedoria de Jesus, Deus encarnado. Francisco aconselha que a busca dessa sabedoria seja estudo, solicitude e atenção à humanidade de Jesus. Já a sabedoria do espírito corresponde ao seguimento do Evangelho, tendo como objeto de atenção “a pobreza, o suor, a obediência até a cruz” (SABEDORIA…,1983, p.667). Portanto, Francisco não é inimigo da ciência ou do estudo, mas entende que eles devem servir ao espírito, como orientou a Santo Antônio, de modo que os frades que se dedicassem à teologia não se perdessem no intelectualismo e deixassem o seguimento real em segundo plano. Frei Jean Carlos escreveu que “se o franciscano buscasse a ilustração pela ilustração, o estudo pelo estudo, estaria sim, contra o espírito de Francisco, orbitando à margem do carisma” e que “ o Franciscano que faz da sua vida intelectual um meio de possuir o Espírito do Senhor, não estará contradizendo sua vocação, seu esforço será frutífero e fértil e sua vida tenderá à perfeição, que é a própria operação do Espírito” (REVISTA FRANCISCANA, 2012, p.33).

            O estudo para os franciscanos está orientado para um aprofundamento da vida de Jesus e o seguimento do Evangelho decisivo para realizar o sentido de vida aprendido na relação com o próprio Jesus. Adquirindo essa sabedoria, o frade pode viver uma conformação maior e melhor do que somente pelo estudo. Até no processo formativo de um frade, é feita a proposta concreta: “na visão franciscana da vida não se deve usar a inteligência para ser culto, mas para ser bom. (…) O elemento finalista do processo formativo sinaliza para mudança de vida” (REVISTA FRANCISCANA, 2002, p.102).

            Nas biografias de Francisco por Celano e São Boaventura, o estudo está ligado ao modo que Francisco se posicionava diante da sabedoria através do processo de identificação com Cristo, que “se realiza em Francisco através do estudo de suas atitudes, que iam sendo assumidas como comunhão mais profunda” (SABEDORIA…, p.670). Bigi ainda diz que o uso do verbo “estudar” nestas duas biografias não tem o mesmo sentido que usamos hoje.

Na realidade do mundo em que vivemos, e observando as necessidades da Igreja e do povo de Deus, é difícil pensar na Ordem e Frades sem a devida formação humana e acadêmica. Entendemos também que este assunto foi motivo de divisão na Ordem por más compreensões sobre o real desejo de Francisco, que o estudo não os cegasse enchendo seus corações de si mesmo, esquecendo que o conhecimento os faz se reconhecer em Cristo.

Referências:

FONTES FRANCISCANAS. Coord.: Dorvalino Francisco Fassini (2ed.). Santo André, SP: Editora O Mensageiro de Santo Antônio, 2020.

SABEDORIA, ciência, estudo, cultura (por Cherubino Bigi). In: Dicionário Franciscano. Traduzido por Família Franciscana Brasileira. Petrópolis, RJ: Editora Vozes e CEFEPAL, 1983.

CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. São Paulo, SP: Edições Loyola, 2000.


AJLUNI OLIVEIRA, Frei Jean Carlos. Do sentido do exercício intelectual para um franciscano. Revista Franciscana, Brasília, v. IX, n. 15, p. 26-45, jul./dez. 2012.

GIALDI, Frei Silvestre. Formação Franciscana: Proposta construtivista e método fenomenológico. Revista Franciscana, Petrópolis, v. II, n. 2, p. 85-108, jul./dez. 2002.

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