Este ano não vamos cantar parabéns para Jesus

Este ano não tem bolo de aniversário, não tem velinha e muito menos iremos
cantar parabéns para Jesus. Mas nada disso tem a ver com a pandemia que estamos
vivendo. Claro que como pessoas prudentes iremos fazer nossa ceia natalina com todo
cuidado possível e verdadeiramente com nossas famílias.
Mas então porque não iremos “cantar parabéns para Jesus” este ano? Uma das
coisas boas que a pandemia nos trouxe foi a possibilidade de autorreflexão e de
amadurecimento humano e espiritual. Nossos templos ficaram fechados por um longo
período, porém a nossa Igreja jamais se fechou, ao contrário, ela se abriu ainda mais e
explorou novos terrenos e formas de evangelização.
Ouvimos dizer que as autoridades civis não permitiriam que celebrássemos o natal em nossos templos, e ficamos indignados com isso, assumimos isto como perseguição,
o que realmente é, à medida que para as igrejas é proibido fazer “aglomerações” – quando
na verdade foi a Igreja quem melhor se adaptou às exigências sanitárias e quem mais zelou e
zela pela segurança dos fiéis – porém para comícios políticos não há problema algum fazer
uma aglomeraçãozinha (enfim a hipocrisia). Mas também não é por esta razão que não
vamos “cantar parabéns para Jesus” este ano.
A Igreja com sua sabedoria, e mergulhada nos mistérios de Cristo, sempre nos
leva a experimentar o transcendente, nos oferece aqui na terra um pedacinho do céu. A
Igreja é repleta de símbolos que nos levam a elevar a nossa mente e o nosso espírito para
coisas mais altas. A Igreja quer sempre que amadureçamos a nossa fé. E como bons cristãos
de longa caminhada já não podemos mais ser crianças e já está na hora de tomarmos
alimentos sólidos, como nos exorta o Apóstolo Paulo (Cf. I Cor. 3,1-2).
Para não infantilizarmos a nossa fé é que não vamos “cantar parabéns para
Jesus” ou celebrar o seu aniversário. Talvez para crianças e pessoas que ainda estão sendo
iniciadas aos mistérios de Cristo este seja um modo de falarmos do Natal, não é o melhor
modo com certeza, mas pode ajudar. Porém, como cristãos amadurecidos na fé devemos
fazer com que outros também amadureçam na sua fé. Não podemos ser muito rasos e
pouco profundos quando o assunto é a fé e os mistérios de Cristo. Todos têm o direito de
receber uma boa formação que ajude a penetrar e a se envolver, e deixar ser envolvido nos
mistérios de Cristo.
Desta forma, não dá mais para propagar por aí que o Natal é o aniversário de
Jesus e por isso devemos cantar parabéns para Ele. Como dito, a Igreja é repleta de símbolos
e o dia 25 de dezembro é mais um desses símbolos, pois sabemos que Jesus não nasceu
neste dia. Não podemos afirmar com certeza o dia em que Jesus nasceu.
A Igreja tem um calendário próprio. Há poucos dias celebramos o nosso “ano
novo”, ou seja, a festa de Cristo Rei que encerra o calendário litúrgico da Igreja. Com o
Advento iniciamos um novo ano litúrgico. Estamos à espera do Cristo que vai chegar, do
Filho de Deus que vem ao nosso encontro; do Deus que assume a forma humana.
Desta forma, no dia 25 de dezembro na verdade celebramos o mistério de Deus
que se faz homem, um mistério de amor. Deus amou tanto o mundo que nos enviou seu
Filho único (Cf. Jo 3,16-17). É por este mistério da Encarnação que podemos ser chamados
filhos de Deus, pois o somos à medida que nos tornamos filhos no Filho.
São Francisco amava o Natal mais que todas as outras festas, pois Deus feito um
menino pobrezinho, dependeu de peitos humanos (cf. 2C 199). Francisco de Assis entendeu
e mergulhou fundo no mistério da Encarnação a ponto de querer viver esse mistério em sua
própria vida. Francisco ficou estupefato quando entendeu a grande humildade de Deus
quando sendo divino quis também ser humano. Jesus Cristo eleva a nossa humanidade à
divindade; portanto, para que sejamos divinos devemos ser humanos.
A esta humildade de Deus que sendo Deus se fez homem, Francisco chama de
“ser Menor”, Deus se fez Menor, por isso Francisco quer que seus irmãos sejam chamados
de Irmãos Menores. É na Encarnação que Francisco encontra o fundamento para o nome de
sua ordem, pois na Encarnação nos tornamos filhos no Filho, portanto, irmãos, e é também
na Encarnação que nos tornamos Menores, pois o Cristo se fez Menor.
Portanto, o Natal não é o dia do aniversário de Jesus, mas sim o dia em que Deus
se faz homem pela Encarnação, o dia em que Deus demonstra de forma surpreendente o
amor que tem por nós, é o dia em que o eterno entra no tempo, é o dia em que o Todopoderoso mostra seu verdadeiro poder em sua fragilidade de criança indefesa. O Natal é
mistério de amor.
Frei Ricardo Elvis, OFMConv.