Ordem dos Frades Menores Conventuais

Artigos, Destaques › 13/10/2020

Como São Francisco pode nos ajudar a ver a vida cotidiana como Graça

Caros irmãos e irmãs, o Senhor vos dê a Paz! Hoje vamos falar como São Francisco pode nos ajudar a compreender a vida quotidiana como graça. Para esta reflexão tenho aqui junto a mim o Livro Filosofia da Vida – Visão Franciscana de Frei José Antônio Merino, OFM. Sabemos que a vida é composta de diversas realidades, acontecimentos, problemas, soluções, alegrias, tristezas, sucessos, fracassos, e tantas outras coisas. E com isso vamos seguindo nossa caminhada tentando interpretar e concretizar a vida da melhor maneira possível. E hoje quero partilhar com vocês alguns aspectos característicos da Vida de São Francisco e do universo franciscano que podem nos ajudar a viver a vida quotidiana como graça.

O primeiro aspecto é aprender a habitar o mundo. É importante antes de tudo fazer a diferenciação entre habitar e habitat. Habitar é estar no mundo e o habitat é a função que temos diante do viver no mundo. Ter consciência que estar no mundo de forma concreta e consciente das realidades que nos cercam é fundamental para compreender que não estamos sós. Em torno de nós está toda a criação como possibilidade de nos relacionar como irmãos e irmãs. Esta é a novidade de São Francisco que consegue se fraternizar com toda a criação e estabelecer com ela uma nova forma de relacionamento capaz de transformar, louvar, exaltar e interpretar a existência.[1]

O segundo ponto é junto com Francisco superar a visão pessimista e negativa que temos do mundo e do homem. É possível encontrar novos horizontes de compreensão que não nos limitem na decadência e na não superação do homem em relação a si e a todo o ser criado.

O terceiro ponto é assumir o negativo. Como temos dificuldade de trazer para nós o negativo do mundo e de nós mesmos e dos outros. Assumir o negativo não é pautar a vida sobre o mal, mas, pelo contrário, superá-lo, transformá-lo. Francisco fez isso quando vendo o Leproso beijou-lhe. Francisco nos ensina a não fugir da realidade, mas lucidamente olhar o mundo a nossa volta, assumir suas decadências e transformá-las. A realidade para Francisco não é somente aquilo que podemos ver e tocar. A realidade é também a presença de Deus que perpassa toda a criação. Somente quando enxergarmos a coisas como elas são é que venceremos o medo da distância que estranha e afasta e passaremos à proximidade que transforma e cura.

O quarto ponto é a superação de antagonismos para que vejamos o outro em si mesmo e para além das classificações sociais. Para Francisco a única categoria que existe é a Evangélica de irmão e irmã. Somente nesta base é possível estabelecer relações verdadeiras e eficazes. Relações capazes de viver com o outro sem olhar sua posição social, sua crença, sua cor, etc. Ter o outro como irmão é o caminho para vê-lo em sua essência.

O quinto ponto é “recuperar o sentido do novo”[2]. Vivemos em uma sociedade preenchida de novidades, de informações rápidas, de consumismos e marcada pela necessidade de acompanhar todas as atualizações possíveis. E tudo isto de maneira rápida e instantânea que parece nos dar a impressão do novo. Todavia, o que vemos é o novidadeiro e nem sempre o novo. O novo é a capacidade de sair do trivial, de estruturas paralisantes e se lançar na dinâmica divina da fé tal como fez Abraão. São Francisco foi assim: homem profundamente escatológico e marcado pelo desejo de fazer o Reino de Deus acontecer no mundo. O santo de Assis não teve somente a ousadia de propor novas formas no mesmo, mas se lançou profundamente no novo de Cristo que interpela, questiona e provoca de forma sempre atual o mundo de hoje.

O sexto ponto é “a descoberta da gratuidade”[3] . Vivemos em um mundo marcado por relações de compra e venda, dos cartões, dos negócios, dos investimentos e das transações comerciais. Tudo isso pode tirar de nós a beleza da gratuidade ou ao menos obscurecer sua importância no cotidiano de nossas vidas.  Por vezes precisamos como Francisco nos despir deste Espírito de relações de trocas para descobrir que toda a criação é um grande dom de Deus a nós. Quando nos abrimos para esta forma de relação uma nova realidade desponta: é a verdade de que a vida não pode estar fixa apenas em relações mercantilistas, mas que tudo em torno de nós está cheio de gratuidade ao perceber que muito do que utilizamos foram preparados por outros para que pudéssemos usufruir. Precisamos nos revestir de sentimentos de gratidão e simpatia diante da vida e descobrir o quanto é belo ser gratuito.

O sétimo ponto é o de sermos acolhedores e participativos. Acolher as situações que acontecem em torno de nós demonstra uma abertura importante que nos provoca a uma participação na realidade em que vivemos. Não podemos estar apáticos e viver como se as alegrias e tristezas não nos questionassem. Não é saudável viver neutros sem nos comprometer. É preciso acolher e participar ativamente das questões que envolvem a nós e o mundo.

O oitavo ponto é recuperar a morte. Como temos medo de enfrentar uma realidade tão próxima de nós e que toca a todos. Reconhecer a morte e celebrar o luto é fundamental para viver. Trazer para a vida a consciência concreta da morte é revestir-se de esperança e gratuidade. Viver consciente de seus limites é lançar-se para frente com alegria e otimismo. São Francisco de Assis nos ajuda a trazer para o cotidiano esta novidade do viver que luta contra toda forma “de morte, de violência e de desumanização”[4]

Amados irmãos e irmãs, que a alegria de viver responsável, gratuito e dinâmico possa conduzir nossos passos na caminhada para a descoberta do novo da vida que se dá todos os dias. E que como São Francisco vivamos a ousadia de levar com fé e esperança nossa história dentro da história do mundo e de Deus.

Paz e Bem!

Frei Willian Gomes Mendonça, OFMConv.

[1] MERINO, José Antônio. Filosofia da Vida, Visão Franciscana. Editorial Franciscana. 2000. Pg. 21.

[2] MERINO, José Antônio. Filosofia da Vida, Visão Franciscana. Editorial Franciscana. 2000. Pg. 21.

[3] MERINO, José Antônio. Filosofia da Vida, Visão Franciscana. Editorial Franciscana. 2000. Pg. 21.

[4] MERINO, José Antônio. Filosofia da Vida, Visão Franciscana. Editorial Franciscana. 2000. Pg. 56.

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